Fonte: O Estado de SP
A ‘pegadinha’ de Trump
É inútil procurar lógica nas decisões do presidente dos EUA, cujo único interesse é acumular poder e exercê-lo para bagunçar o mundo conforme seus ‘instintos’. A loucura apenas começou
como se o mundo tivesse sido vítima de uma “pegadinha” do presidente dos EUA, Donald Trump. Meros sete dias depois de ter bombardeado todas as nações com tarifas severas, bagunçando o comércio global e derretendo bolsas planeta afora, Trump simplesmente decidiu, num estalar de dedos, suspender a maioria delas por 90 dias. Ato contínuo, as bolsas dispararam, e houve alívio momentâneo – mas obviamente ninguém está tranquilo. Afinal, a única coisa clara na lambança de Trump é que ninguém sabe o que ele quer nem qual será seu próximo passo – nem ele mesmo. As perdas desde o dia do anúncio do tarifaço foram mitigadas, mas não recuperadas. Além disso, o piso tarifário de 10% foi mantido, e a guerra comercial contra a China segue escalando perigosamente. Pior: nada do que Trump e seus assessores dizem indica qualquer estratégia lógica. É tocante o esforço de trumpistas e trumpólogos para extrair algum “plano astucioso” ou “estratégia de negociação” de um conjunto heteróclito de ideias fixas, caprichos, rancores e uma dose de niilismo misturados na cabeça de Trump. Dois dias antes de suspender o tarifaço, ele ridicularizava republicanos por “panicarem” ante o desastre. A um repórter que perguntou quanto tempo toleraria a dor nos mercados, retrucou: “Acho sua pergunta estúpida”. Dois dias depois, explicando a outro repórter por que recuou, disse: “Achei que as pessoas estavam saindo um pouco da linha, ficando um pouco nervosas”. A verdade é que os títulos do governo dos EUA, outrora porto seguro em tempos de crise, estavam sendo liquidados, dissolvendo a fronteira entre uma recessão com a marca de Trump e uma depressão com a marca de Trump. Até para Trump a negação da realidade tem limites. Mas não para os bajuladores na sua equipe. Pouco antes de Trump “piscar”, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, dizia que a economia está em “ótima forma”. Pouco depois, seus acólitos começaram a fabricar racionalizações sem sentido. Um dos mais desavergonhados chegou a dizer que estamos diante da “maior estratégia econômica de um presidente americano na História”. E como Trump, o “Grande Estrategista”, tomará sua próxima decisão? Ele mesmo respondeu: “É realmente mais um instinto, acho, do que qualquer outra coisa”. A busca por uma “estratégia oculta” parece ser uma necessidade psicológica de encontrar ordem no caos. Um “plano” – ainda que ruim ou maligno – é mais reconfortante que nenhum. Trump tem, é verdade, um punhado de convicções: a de que ele é um mestre da negociação; de que déficits comerciais são maus; empregos no chão de fábrica são bons; e tarifas são uma espécie de panaceia. Outra: os EUA estão sendo “pilhados” por outras nações, especialmente as aliadas – é natural a quem está sempre tentando pilhar os outros presumir que estão sempre tentando pilhá-lo. Por baixo de todo esse exercício mental, resta o descomunal apetite de Trump por acúmulo de poder. O controle total sobre as políticas tarifárias lhe dá a chance de chantagear empresários no mercado doméstico e agentes estrangeiros que querem acesso a ele. É a mesma lógica das ameaças de invasão territorial ou de implodir alianças como a Otan. “Ao dizer ao mundo que tanto as regras do comércio quanto as garantias de segurança dependem exclusivamente de sua vontade, ele está concentrando a maior quantidade possível de poder em suas mãos”, resumiu o articulista do Wall Street Journal Walter Russell Mead. Se há um método nessa loucura, portanto, é este: concentração de poder pessoal. Por mais incômodo que seja ao resto do mundo, é mais racional admitir de vez a irracionalidade do homem mais poderoso do planeta. A única certeza sobre sua política é de que é impossível confiar em Trump e, por extensão, nos EUA, pelo menos enquanto ele for presidente. Sejam lá quais forem as decisões, boas ou ruins, que os “instintos” de Trump vierem a ditar, essa atmosfera permanente de incerteza e caos por si só impõe um custo incalculável aos EUA e, consequentemente, à ordem econômica e geopolítica da qual os americanos foram o principal avalista por 80 anos, que tomará anos para ser recuperado – isso se for.
Esta notícia foi lida 61 vezes!