Editorial do Jornal “O Estado de SP
Que Hugo Motta continue resistindo
Presidente da Câmara vira alvo do bolsonarismo por resistir a pautar a anistia aos golpistas, algo que não interessa ao País, somente aos que querem reabilitar o líder dos golpistas
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tornou-se um dos principais alvos do bolsonarismo mais empedernido. A estridência dos ataques ao deputado tem aumentado à medida que também cresce a ansiedade de Jair Bolsonaro diante da inexorabilidade de seu infausto destino penal e político. Isso ficou claro durante o ato supostamente em defesa da anistia aos golpistas do 8 de Janeiro realizado no dia 6 passado, na Avenida Paulista, quando Motta foi duramente atacado do alto do carro de som em razão de sua resistência a pautar a “urgência” do chamado Projeto de Lei (PL) da Anistia.
A cautela de Motta ao não apressar a eventual tramitação do PL da Anistia está amparada na correta leitura do parlamentar paraibano sobre o grau de importância desse tema para a sociedade. De forma prudente e politicamente realista, Motta dá sinais de que enxerga um Brasil que os bolsonaristas não querem ver, seja por convicção, seja por interesse. Trata-se de um Brasil que não tem a anistia aos golpistas – em particular ao maior de todos, Bolsonaro – no topo de seu rol de preocupações. Em claro recado político, o presidente da Câmara afirmou ontem que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, essa sim, será uma “pauta prioritária” na agenda legislativa, em total consonância com as preocupações reais dos brasileiros.
Se o PL da Anistia é incapaz de mobilizar a sociedade em sua defesa, esse desinteresse tem reflexos diretos no comportamento dos partidos que compõem o Centrão, grupo que há décadas tem sido o fiel da balança em quase todas as votações polarizadoras no Congresso. O Centrão já entendeu, Hugo Motta inclusive, que a anistia aos golpistas não é uma agenda do Brasil. Não é nem sequer uma agenda da direita democrática – é uma pauta exclusiva de Bolsonaro e dos que a ele teriam se associado na tentativa de golpe para impedir a posse do presidente Lula da Silva. Tanto é assim que o próprio ex-presidente, sentindo-se desprestigiado politicamente em razão de sua condição de inelegível e réu em ação penal no Supremo Tribunal Federal (STF), subiu o tom nas cobranças pelo avanço do projeto da anistia durante a manifestação em São Paulo.
Ao que tudo indica, o Congresso, em geral, e o Centrão, em particular, estão deixando o PL da Anistia morrer de inanição à luz do dia porque já dão como certo o fato de que Bolsonaro não será candidato em 2026. Logo, encampar para valer o tema da anistia significa dar sobrevida à tese delirante de que Bolsonaro ainda poderá concorrer à Presidência, o que atrasaria a formação de uma chapa competitiva de direita para enfrentar o ainda favorito Lula da Silva. É o tipo de erro que o Centrão não costuma cometer.
Hugo Motta tem mostrado maturidade ao tratar do tema da anistia – inclusive ao fazer movimentos por uma revisão das duras penas impostas pelo STF a alguns dos condenados pelo 8 de Janeiro. O presidente da Câmara tem agido com notável senso de responsabilidade institucional à frente da Casa, haja vista que a eventual anistia aos que participaram do maior ataque à ordem constitucional vigente desde 1988 é simplesmente inaceitável. Não é trivial manter essa atitude republicana em um ambiente tão contaminado pelo radicalismo.
Do ponto de vista pragmático, Motta também parece compreender o que setores mais extremados do bolsonarismo fingem ignorar: a sociedade, em sua maioria, não compartilha do desejo de absolvição sumária para aqueles que atentaram contra o Estado Democrático de Direito. A tentativa de golpe promovida por vândalos políticos, e não “perseguidos políticos”, ademais, não pode ser simplesmente apagada ou reescrita como um suposto ato de “bravura” ou “patriotismo”, nem tampouco como uma manifestação política “legítima”.
Que o sr. Motta continue resistindo àqueles que querem fazer da anistia a golpistas uma agenda de interesse nacional. O único objetivo dessa iniciativa desarrazoada, seletiva e oportunista é reabilitar politicamente Jair Bolsonaro e preservar a coesão de um movimento radicalmente antidemocrático que nunca quis o bem do Brasil.
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